31 outubro 2006

A erosão do Monte Éden

Polícia Federal investiga advogados acusados de envolvimento fraudulento na chamada operação Monte Éden – as acusações vão de lavagem de dinheiro à sonegação fiscal

Por Sandra Santos

Com uma alusão à paraísos fiscais, a Polícia Federal começou em 30 de junho uma investigação em todo país para prender acusados do crime de evasão de divisas. Em São Paulo, o advogado Milton José de Oliveira, dono de um dos maiores escritórios de advocacia da cidade, foi detido sobre a acusação de um esquema de criação de empresas em paraísos fiscais. Foram feitas investigações sobre o empresário Antonio Carlos Chebabe, preso em 2004, acusado de envolvimento no esquema de sonegação fiscal e adulteração de combustíveis. A operação batizada de Monte Éden tem conexões no Uruguai – por isso Monte, em referência à capital uruguaia, Montevidéu; e Éden lembrando o “paraíso”.
De acordo com as informações da assessoria de comunicação da Polícia Federal, a operação teve o apoio da Receita Federal, do Ministério Público Federal e a cooperação de autoridades do governo uruguaio. O objetivo dos policiais foi cumprir cerca de 30 mandados de prisão e, aproximadamente, 80 de busca e apreensão, expedidos pela Justiça Federal. As ações acontecem nos estados de São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Ceará, Pernambuco e Paraná. No total, além de mais de 50 servidores da Receita Federal, 500 policiais federais cumprem buscas e prisões.
Em nota oficial, o presidente da OAB, Luiz Flávio Borges D’ Urso, repudiou a ação da Polícia Federal ao investigarem escritórios de advocacia em busca de achar alguma irregularidade. “Os representantes da OAB SP não estão acompanhando diligências da Operação Monte Éden, a pedido da Polícia Federal, porque, em momento algum, a Ordem vai coonestar com esse tipo de operação, que considera eivada de ilegalidades e uma afronta à cidadania”, defendeu D’Urso.
Para acompanhar as diligências nos escritórios de advocacia, foram convocados representantes da organização classista dos advogados (OAB). O esquema de fraudes da organização criminosa fazia uso de sociedades anônimas off-shore, com sede no Uruguai, em nome de “laranjas”, para ocultar e dissimular valores e bens dos “clientes” beneficiários. Entre os investigados estão membros de escritórios de advocacia, “laranjas” e grandes empresários.

Como funciona o esquema

Após a criação de off-shores no Uruguai, a quadrilha, utilizando-se das empresas estrangeiras, constituia sociedades limitadas no Brasil. Estas, por sua vez, adquiriam o patrimônio dos clientes, transferindo a propriedade dos bens. Entretanto, através da investigação, foi possível comprovar que tanto as empresas estrangeiras como as sociedades nacionais encontravam-se em nome de interpostas pessoas, meros “laranjas”. O objetivo de tal sistemática era permitir que os crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal fossem realizados sob aparência de legalidade, sendo denominado pelo grupo criminoso de “blindagem patrimonial”.
Um dos desafios dos investigadores foi identificar as diversas técnicas da quadrilha, uma vez que para cada empresário era criado um esquema diferenciado, de acordo com as necessidades do “cliente”. Para dificultar ainda mais a ação da polícia na identificação dos criminosos, a quadrilha aperfeiçoava sempre o modelo de fraude.
Inicialmente, eram celebrados contratos de prestação de serviços, com valores superiores a R$ 100 mil entre a quadrilha, formada por advogados e contadores, e os “clientes”, por meio do qual as empresas nacionais e estrangeiras eram utilizadas para “blindar” o patrimônio do “clientes”. Apenas para abrir uma sociedade anônima financeira (SAFI) no Uruguai são cobrados, em média, US$ 3.500, sendo posteriormente cobrados aproximadamente US$ 2.500 por ano para a manutenção da off-shore.
Para receber pelos valores decorrentes de sua atividade, o escritório de advocacia investigado criou e utilizou mais de uma dezena de empresas nacionais, sempre interpondo sociedades anônimas uruguaias como proprietárias. Apenas no ano de 2004, foram movimentados cerca de R$ 20 milhões em nome das empresas de “fachada” que, de fato, pertencem ao escritório de advocacia.
Os prejuízos causados à União são, até o momento, incalculáveis, considerando-se os inúmeros modelos de “blindagem patrimonial” oferecidos pelo escritório de advocacia para os vários clientes identificados.
Entre as empresas “clientes” do esquema criminoso estão indústrias de grande e médio porte da área têxtil, de combustíveis, plásticos, avícolas, construção civil e informática. No total são mais de 40 pessoas jurídicas envolvidas com a fraude.

Crimes cometidos

Os crimes cometidos pelos integrantes e beneficiários do esquema são: lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, evasão de divisas, sonegação fiscal, falsidade ideológica e participação de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos na Lei de Lavagem de Dinheiro (art 1º parágrafo 2º , II, da Lei 9.613-1998).

Em Maringá (PR) foram cumpridos dois mandados de prisão e três mandados de busca e apreensão, expedidos pela Justiça Federal do Rio de Janeiro. Foi preso um contador que prestava serviços às empresas investigadas e também o diretor de uma empresa avícola da cidade. Nos locais de busca foram arrecadados vários documentos referentes à empresas nacionais e estrangeiras ligadas aos integrantes e beneficiários do esquema.
Segundo Luiz Antônio Batista Lino, delegado da Polícia Federal de Três Lagoas (MS), onde fica a sede de uma das empresas envolvidas no esquema, o grupo já vinha sendo investigado há cerca de oito meses. Em declaração à imprensa o delegado afirmou que no ano passado a Receita Federal calculou uma média de R$ 150 milhões sonegados pelo esquema. “Isso sem contar os impostos estaduais e municipais, que faria com que esse valor dobrasse”, afirmou Batista Lino.
Em entrevista coletiva após a operação, o superintendente da Polícia Federal em São Paulo, José Ivan Guimarães Lobato, esclareceu que a investigação começou após o fim da operação contra a “máfia dos combustíveis”, atribuída ao Grupo Chebabe. “Esta [a Monte Éden] foi uma das operações mais importantes da PF nos últimos tempos”.

27 outubro 2006

Exigências arbitrárias na contratação são ilegais


No fim do ano passado, Cíntia Caroline, 23, foi visitar uma feira em que empresas ofereciam oportunidades de trabalho. Formada em administração, interessou-se pelo programa de trainee de uma grande empresa da área de telecomunicações. Pediu à responsável para se inscrever e foi informada, antes de apresentar seu currículo, de que "não tinha o perfil exigido para o programa"."Eu me senti como um bicho. Quando entrei [no estande], a atendente me olhou de alto a baixo e não me deixou preencher o formulário", conta a administradora, que é negra.O relato de Caroline ilustra a discriminação nas relações de trabalho, que se manifesta, de forma ostensiva ou velada, desde a divulgação das vagas.O consultor empresarial Luís Sérgio Lico, 42, indignou-se ao se deparar com as exigências de uma empresa multinacional: pedia-se que o candidato fosse mulher, com menos de 35 anos. "Senti-me muito prejudicado, pois tinha todas as qualificações para o cargo", lembra Lico, que se queixou à firma, sem, no entanto, obter resposta."Minha principal reclamação é contra a redução psicológica do indivíduo. As pessoas não podem ser diminuídas a um perfil de idade ou sexo. Essa prática é antiética", desabafa.Além de antiética, é ilegal. A lei veda qualquer discriminação arbitrária. "As exigências devem se referir apenas a características relacionadas à profissão ou a habilidades inerentes à função. O critério deve ser de eficiência", explica Tamira Fioravante, especialista em direito do trabalho da FGV (Fundação Getulio Vargas).Professor da Universidade de São Paulo e juiz do Trabalho, Jorge Souto Maior é assertivo: "É muito excepcional que um serviço exija características como altura, idade, etnia ou aparência. Na dúvida, deve-se concluir que esse tipo de solicitação é, de fato, discriminatório".Para ele, não se pode estabelecer uma zona cinzenta, em que o preconceito ocorra de forma velada. "Basta vermos a exigência da "boa aparência", uma das formas mais perversas da discriminação", conclui.Na avaliação do coordenador do Núcleo de Combate à Discriminação da Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo, Sylvio Boscariol, muitos candidatos nem percebem que estão diante de uma situação ilícita. Desde que assumiu o núcleo, há três anos e meio, Boscariol não recebeu nenhuma queixa sobre exigências para ocupar vagas."Só recebemos denúncias sobre preconceito no ambiente de trabalho, mas poderíamos fazer mediações entre as empresas e os ofendidos", afirma.Onde denunciar- DRT-SP (rua Martins Fontes, 109, 8º andar, centro)- Ministério Público do Trabalho (rua Aurora, 955, Santa Ifigênia) - TRT-SP (www.trt02.gov.br)
Fonte: Folha de S. Paulo
Matéria publicada em 28/05/2006

26 outubro 2006

Bom atendimento? Quando?

Hospitais municipais e estaduais de São Paulo necessitam com urgência de novos recursos, bom atendimento e infra-estrutura

Por Sandra Santos

A situação da saúde pública no Brasil continua decadente. Um exemplo é a Santa Casa de Misericórdia que, na cirurgia de colocação de próteses, possui uma lista de espera com projeção para 2010. Em agosto de 2004, a paciente Zenaide Moreira Men, aposentada, 59 anos, esteve nesse hospital para marcar uma intervenção cirúrgica. Sabendo que o atendimento é demorado, pediu que agendassem para o ano seguinte. O médico riu e disse que nos próximos cinco anos não havia como agendar qualquer cirurgia.
O caso dela mostra o quanto o atendimento público, no Brasil, precisa melhorar. Segundo Zenaide Men, seu dilema com relação ao atendimento vem desde quando descobriu que tem artrose nas duas pernas. Tudo começou quando sentiu uma dor e conseguiu através de seu convênio na época, o SL Saúde, um médico especialista para cuidar de sua doença. Ela ficou 19 anos passando por um tratamento cujos medicamentos eram injeções. Logo depois, o médico que a atendia, saiu do hospital, com isso ela precisou mudar de convênio. Ao fazer novos exames, ficou constatado que ela teria que colocar uma prótese. O convênio não cobria esse tipo de cirurgia e Zenaide foi encaminhada para a Santa Casa de Misericórdia, de São Paulo. Na Santa Casa, ela fez todos os exames novamente e o médico informou o que ela já sabia sobre a colocação da prótese.
Pelo fato do produto ser importado, a demora do envio impossibilita a cirurgia imediata. Zenaide Men fez mais uma tentativa, desta vez, no Hospital São Paulo, e lá foi informada que teria que passar num posto de saúde do bairro onde morava, com o clínico geral, que a encaminharia para a ortopedia, e novamente ele pediria os exames necessários. Todos os exames que ela fez, estavam em mãos e o funcionário do hospital não olhou nem deu atenção. Em seguida, ela foi à procura de uma assistente social. “Sou tratada assim porque sou pobre, se eu tivesse dinheiro não passaria por isso”, diz. A assistente informou que com dinheiro realmente seria mais fácil, que até ela mesmo operaria a própria paciente.
Por último, a aposentada foi até a Secretaria da Saúde. Ela foi atendida em janeiro deste ano e a pedido da funcionária, ainda aguarda pela resposta da Secretaria. A informação que obteve foi a de que, contando com ela, seriam mais 17 pessoas reclamando do mesmo problema. Devido a todo esse tempo de espera, Zenaide Men, passou a forçar a outra perna, fazendo com que ela também fosse atingida pela artrose. Atualmente, ela anda em cadeira de rodas e diz que está cansada de aguardar por uma resposta que nunca chega.

Demora no atendimento

Ao entrar na sala de espera do hospital, encontra-se um aviso sobre o serviço de avaliação para melhor atender ao usuário. Os profissionais de enfermagem fazem a avaliação da gravidade da doença do paciente através de cores, registradas num cartão. Os casos de emergência (risco de morte) recebem um cartão de cor vermelha e são atendidos imediatamente; as doenças agudas, consideradas urgências, são identificadas pela cor amarela; os que não são de urgência ou emergência, ou seja, registrados com a cor verde, aguardam o atendimento por ordem de chegada.
Mesmo com esse aviso, os pacientes dizem que a demora é grande, mais de quatro horas em média. Existem casos em que os doentes têm que pedir por emergência para serem atendidos rapidamente. Quando o doente é recebido, por exemplo, para fazer a aplicação de uma injeção, dura cerca de meia hora. Mas só será rápido se o funcionário do hospital encaminhar o usuário ao local e passando a vez de quem já aguarda para ser atendido. Nesses casos, a atenção é maior. “Eu adorei, porque eu cheguei e pensei: será que vou ter que ficar nessa fila de trezentas pessoas só para minha mãe tomar uma injeção?”, conta Mônica, acompanhante de uma paciente.
O atendimento do Hospital Campo Limpo não é satisfatório na opinião dos usuários devido à falta de organização na entrega dos exames, ao encaminhar o paciente ao médico, e até mesmo a forma como os especialistas lidam e tratam os enfermos. Já houve caso de trocarem os raios-x de um doente também. Outro caso foi o da estudante Aline, de 19 anos, ela diz que foi até o hospital, apenas para tomar uma injeção para cólica menstrual e demorou quatro horas para ser atendida. “Os médicos ficam passeando para lá e para cá, demoram muito para atender e quando atendem, mal olham para você, mandam tomar injeção e ir para casa”, diz. Foi a primeira vez que a estudante foi atendida no hospital municipal e não teve uma boa impressão. Ela acha que os médicos devem dar uma atenção maior aos pacientes e não fazer “pouco caso”. Os médicos não quiseram comentar nada a respeito, nem conceder entrevista.
Outro Hospital Municipal, o Tide Setúbal, enfrenta muitos problemas. Segundo informações de um funcionário do pronto-socorro que não quis se identificar, eles enfrentam situações que o governo não se dispõe a ajudar: faltam funcionários, existem poucos recursos (medicamentos), o salário é baixo e a carga horária é pesada, cerca de 12 horas. A baixa remuneração faz com que esses trabalhadores tenham dois ou mais empregos, deixando-os cansados e estressados. Já os médicos não querem trabalhar na periferia, pois têm medo da violência e também devido à distância. Portanto, a falta desses profissionais acaba gerando uma demora no atendimento. A telefonista demora em atender ao telefone, no caso de emergência, o que também pode levar a circunstâncias graves.
Quanto à segurança do Tide Setúbal, precisa ser melhor organizada, ter controle de triagem e visitas. Já houve casos em que um bandido internado sofreu um atentado, uma paciente - que tentou fazer aborto - chegou ao hospital, mas depois fugiu sem ser vista e logo morreu. De acordo com funcionários, o que falta, para a melhoria do nível de seus profissionais, seria uma ajuda do governo, que poderia fornecer treinamento, ministrar cursos, fazendo desta forma uma triagem e, inclusive dos médicos. “A transição do governo não adiantou em nada, a saúde continua igual. A diretoria de todos os setores do hospital foi mudada e só”, explica Márcio, médico do hospital.